A divulgação em mídias abertas de resultados que indicam que a espiritualidade e a religiosidade apresentam impacto positivo na prevenção e recuperação de muitas doenças e no processo de envelhecimento tem chamado a atenção da sociedade.
Você, que nos acompanha, já deve ter percebido que os temas envelhecimento, espiritualidade, saúde mental e qualidade de vida têm sido objeto de nossos estudos e publicações, além de ser uma busca pessoal, em consonância com nossa missão de ajudar pessoas a transformarem suas vidas em vidas plenas e saudáveis.
Com o aumento de nonagenários e centenários, a preocupação com a saúde e a qualidade de vida no envelhecimento e longevidade avançada tem sido tema de estudos científicos, gerando novos programas de atenção a este público. Porém, o envelhecimento ainda é visto com muitas reservas, principalmente por aqueles que estão envelhecendo.
Mas nosso assunto aqui hoje é como a espiritualidade apresenta impacto positivo na prevenção e recuperação de muitas doenças e no processo de envelhecimento.
O envelhecimento nos aproxima da espiritualidade por medo da morte ou do que virá depois?
De acordo com a pesquisa promovida pelo Instituto Gallup Internacional em 2005,4 que envolveu cerca de 50.000 pessoas em 65 países do mundo, mais de um terço dos entrevistados revelaram ser religiosos e os idosos foram aqueles com maior grau de religiosidade (quase 70% declararam-se religiosos, em oposição a 60% dos jovens). Resultado semelhante já havia sido identificado por McFadden em 1995,5 em que os idosos mostraram maior envolvimento religioso. No Brasil, de acordo com o Censo Demográfico de 2000,6 os idosos sem nenhum tipo de religião perfaziam 3,6% do total, contrapondo valores de até 8,0% para faixas etárias mais jovens.
De acordo com Cavalcante et al., “o fato de a velhice ser considerada a última etapa da vida faz com que ocorra um aumento da frequência sobre o pensar na morte e, sobretudo, a respeito do que vem depois dela. Se a questão da finitude parecia longínqua, pouco pensada, na velhice, torna-se mais próxima e até real. A morte de pais, parentes e amigos remete imediatamente à própria morte. O retorno a uma prática religiosa passa a ser mais evidente, sendo por muitos percebida como indispensável. Não é sem razão que muitos consideram a velhice como a etapa em que um balanço da vida é necessário e inevitável”.
A fé como porto seguro
Será? Resposta difícil. Observamos que alguns mantêm a fé ao longo da vida, como um ‘porto seguro’, seja por práticas espirituais e/ou formações religiosas, e como apoio e consolo devido a perdas de pessoas próximas, doenças, fragilidades físicas e emocionais, problemas familiares, mágoas acumuladas ao longo da vida, entre outras questões. No entanto, existem os que se revoltam e consideram que estão sendo ‘punidos’ ao serem acometidos por diferentes sofrimentos, e até ‘brigam’ com o deus de suas crenças, e perguntam: “O que eu fiz, para merecer isto?” “Será castigo?”
Será que estas questões surgem apenas na maturidade e nos anos de velhice?
Mas o que é velhice?
Quando falamos sobre velhice sempre deveríamos utilizar o plural – velhices – pois cada indivíduo é único e, assim, vive e envelhece ao seu ‘modo’ – passa por experiências ao longo da vida e as interpreta segundo os recursos próprios, ou sua falta. Assim como com as outras fases da vida: a infância, a adolescência, a vida adulta.
Cada fase é impactada pelos aspectos socioeconômicos, de escolaridade, gênero, valores familiares e culturais, formação escolar, experiências sociais, etc. Assim, podemos considerar o longeviver como um processo dinâmico e influenciado não só pela genética, mas também pelo lugar de origem, as mudanças que acontecem ao longo da vida, e também pelo grau de escolaridade, ao gênero a que pertence, à formação profissional e o emprego, tendo como panorama a convivência nos grupos comunitários de pertença – família, escola, amigos do trabalho, igreja, e outros.
Além disso, temos a individualidade e a liberdade de escolha de cada um – irmãos gêmeos idênticos, com a mesma cultura, tempo, família, experiências e oportunidades fazem escolhas totalmente diferentes durante a vida e portanto fazem caminhos e resultados diferentes.
Neste ponto lhe perguntamos: e você? Em que ponto está? Como escolhe envelhecer? O que pensa sobre a sua vida e deseja daqui pra frente? O que sente, quando pensa sobre o longeviver? Qual o sentido da sua vida?
Envelhecimento bem sucedido
Concordamos com o modelo proposto por Rowe & Kahn em 1997 e modificado por Crowther et al, 2002, de que envelhecimento bem-sucedido inclui quatro elementos: probabilidade baixa de doenças e de incapacidades relacionadas às mesmas; alta capacidade funcional cognitiva e física; engajamento ativo com a vida e espiritualidade, como demonstrado na figura abaixo:
Falando de espiritualidade e religiosidade
A religiosidade se caracteriza pela adoção de comportamentos e crenças associados a uma religião instituída, com preceitos e ritos bem estabelecidos em um livro sagrado, sem questionamentos.
A espiritualidade tem um sentido amplo, que envolve diferentes práticas, e inclui ou não a religiosidade, como reverenciar e agradecer a plenitude da vida, a natureza e seus dons e o esplendor do Universo – esse desconhecido – sem preceitos, dogmas, regras e rituais.
Esta é a perspectiva de Marcelo Gleiser, que estudando profundamente o Universo, com os recursos mais sofisticados da ciência, afirma que ela não explica tudo. Persiste o oculto, não decifrável, o mistério.
O que sabemos sobre os mistérios do Universo?
A recente premiação do físico e astrônomo brasileiro Marcelo Gleiser, há 20 anos professor de Física e Astronomia no Dartmouth College, nos Estados Unidos, com o Templenton – considerado o ‘Oscar’ da Espiritualidade – trouxe novo foco para questão do ‘poder’ inquestionável da ciência, em diferentes estudos que envolvem a vida e as necessidades humanas, e sugere a pergunta acima.
Nas suas declarações, ao receber o prêmio, Gleiser afirma que “a ciência é o caminho para entendermos o mistério da existência humana […] nossa metodologia mais poderosa para compreender o mundo natural. Mas, por outro lado, a ciência tem limite e oferece só um tipo de explicação”. Segundo ele, o que se vê é apenas uma parte da realidade, existe um ‘mistério’ que é profundamente espiritual, e a ciência e espiritualidade são dois lados de uma mesma moeda. Afirma:
“Eu tenho a humildade de aceitar o fato de que a gente não sabe tudo. Então, eu mantenho a mente aberta para surpresas e, obviamente, depende do que você chama de Deus, porque tem gente que acha que Deus é a natureza, então, se Deus é a natureza, eu sou uma pessoa religiosa.”
O que a ciência tem a dizer?
Queremos respostas científicas pra tudo. Mas ainda podemos confiar em nossos instintos, desde que saibamos como ouvir as inspirações.
Como explicar o ‘milagre da vida’, cientificamente falando? Nem o filósofo, nem o astrônomo tem a resposta. Qual o sentido do Universo, e nele, da existência humana? O que buscamos? Qual o Sentido da Vida? Pode a meditação, como prática de apaziguamento interno, nos conduzir nesta busca? Qual a influência e benefícios das diferentes práticas espirituais, incluindo as orações e recitativo de mantras, neste processo? Talvez seja esta a questão central que os homens têm buscado responder ao longo dos tempos, com a ciência. Acharemos respostas? Sentidos? Fora de nós, no próprio Universo, ou escondido em nós? Um tesouro a ser buscado e descoberto.
Sobre estas reflexões, quero deixar aqui as palavras de palavras de Luc Ferry (2000, p. 49):
Não só estou mergulhado, desde a origem da minha vida, em um mundo que eu não quis e nem criei, mas, além disso, escapa-me o sentido do meu nascimento e de minha morte. Sem dúvida, posso aprender as condições científicas, analisar o processo de reprodução e envelhecimento das células. Mas nada, na abordagem biológica, por mais pertinente e interessante que seja vai me permitir controlar o milagre da vida e nem a significação da finitude. Há nisso, mais uma vez, uma parte de invisibilidade, de exterioridade ou, se quiserem, de transcendência que prolonga aquela que a razão me impunha descobrir na determinação do passado.”
Concluindo, qual a importância da espiritualidade na longevidade saudável?
Quando pensamos em saúde, pensamos em equilíbrio e qualidade de vida. E vemos que isto é muito subjetivo, quando vemos como muitas pessoas, mesmo com doenças e fragilidade, tem uma percepção subjetiva positiva de sua qualidade de vida, enquanto outras são queixosas e pessimistas, mesmo em condições adequadas a esta fase, o que indica que devemos buscar outras razões, que não somente as relacionadas às doenças, para esta avaliação subjetiva.
Muitos estudos indicam que a percepção subjetiva da boa qualidade de vida pode estar ligada à saúde mental e a espiritualidade. Pesquisas recentes e referendadas, que demonstram relação positiva entre espiritualidade e religiosidade com a saúde mental, incluindo menor prevalência de depressão e menor tempo de remissão do quadro após a medicação e menor prevalência de ansiedade e suicídio.
Da mesma forma, muitos estudos indicam forte relação da espiritualidade e religiosidade no enfrentamento da dor, na estabilização de doenças cardiovasculares e hipertensivas; na recuperação cirúrgica, com impacto também na atividade imunológica e os tratamentos de câncer. Traz assim, de forma geral, o buscado equilíbrio e harmonia, com melhor qualidade de vida e bem estar geral, ao processo de envelhecimento.
Mas preferimos abordar a espiritualidade quando falamos de longeviver com saúde e propósito (e não de religiosidade), devido o fato de que algumas vezes a religião adquire feição punitiva, e as doenças são percebidas como castigo – com sofrimentos e medos suplementares aos doentes; ou quando não permite certas intervenções médicas, ela pode gerar mais desconforto e conflitos entre pacientes, médicos e familiares.
Como afirma Gleiser, a ciência não responde tudo, existe o ‘mistério’ do Universo que nos desafia e, além dele, o nosso próprio desafio de descobrir o sentido na nossa vida neste lugar, ainda misterioso.
Fontes: